segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

A salvadora da comédia em Pernambuco

Por Duda Martins

O oitavo e último espetáculo da IV Mostra Capiba de Teatro iniciado no último sábado no Sesc Casa Amarela me fez sentir esperança. Há salvação para a comédia em Pernambuco. O Amor de Clotilde por um Certo Leandro Dantas quebrou em mim certas frustrações, acumuladas ao passar de alguns anos, após tentativas de grupos que optam pela comédia. A Trupe Ensaia Aqui e Acolá desenvolve uma pesquisa muito séria sobre o honroso ofício de colocar um sorriso no rosto do espectador.

Há tempos não assisto um trabalho tão bem feito no Recife. Em meio às gargalhadas percebi o apuro teatral desse coletivo, que começa por um texto fabuloso, com crescentes cômicos excelentes, que faziam a plateia aplaudir em cena aberta, até momentos de tragédia profunda que nos comoviam facilmente. A peça foi livremente inspirada no conto A Emparedada da Rua Nova, de Carneiro Vilela, datado do início de 1900, que conta a história do pai que emparedou a filha depois de descobrir que a moça engravidou do amante.

De forma maravilhosa, o grupo se apropria do circo-teatro e do melodrama para fazer um verdadeiro espetáculo de humor, que para mim, encontra o seu maior mérito em não ser apelativo (é só o que vejo no cenário local), utilizando uma linguagem rica e completamente acessível para qualquer camada social. Pronto, redescobriram a boa comédia para os palcos do Recife. Ou será que as produções locais não aprenderam nada com os ensinamentos de Marco Camarotti? Ou será que os grupos não conseguem mais serem populares, sem necessariamente baixar o nível e submeter o público desta cidade ao velho e imorrível “entretenimento de baixaria”. Porque é basicamente essa a referência da massa, quando se trata de um convite: “vamos ver uma peça de comédia de um grupo local?”. Posso estar generalizando, e me desculpe quem foge à essa regra majoritária, mas há tempos não me surpreendia , como aconteceu com O Amor de Clotilde.  Eu estava cansada de assistir comédias no teatro do Recife e ter vontade de apertar o mute, para ninguém mais ser mais obrigado a ouvir tanta asneira. E os ouvidos não têm pálpebras. Uma pena.

Enfim, estou tergiversando, como diria meu amigo e mentor José Teles. O fato é que a Trupe entende o que é criar um espetáculo de qualidade que atinge do público mais intelectual aos alunos da rede estadual, e podem levar um lindo, divertido, inteligente entretenimento (no sentido mais cru da palavra) para qualquer lugar. E  que continuem exercendo esse trabalho, para que esses meninos não guadem esse teatro infame como referência.

Antes de começar a peça estava conversando sobre como é gratificante ver um bom ator em cena. E qual não foi minha surpresa, reafirmar isso para mim mesma durante toda a apresentação. Comecei anotando no meu bloquinho qual o ator destaque, mas de cinco em cinco minutos, anotava um outro nome, e encho a boca para chamá-los de atores, porque o são e são completos. Além do encenador Jorge de Paula, que merece um parabéns especial por sua seriedade com a arte. As marcas são sensacionais.

E encho a boca ainda para falar de Marcodes Lima, que assina o figurino desta montagem e tudo o que eu vejo deste profissional me enche os olhos. De modo que estou transbordando de alegria (seguindo a regra do melodramático)  por ter visto o teatro feito por esse grupo de jovens. Uma montagem que merece ter longa vida, para além de Pernambuco, mas principalmente por honrar o teatro pernambucano.   

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Sobre a crítica...

Duda Martins
É Jornalista e trabalha como repórter no Caderno C (Jornal do Comercio PE). Em 2010 fez as coberturas de Turnê Dionisíacas Teatro Oficina no Recife, Festival Palco Giratório, Janeiro de Grandes Espetáculos e participou como critica do Seminário Internacional de Crítica Teatral.

Nesse direito de amar, eu quero muitas transas e caretas, pois o que sobra mesmo é um ti ti ti

Por Wellington Júnior

Começarei falando da importância do melodrama na minha trajetória. Sou um apaixonado por esse gênero. Desde pequenino que vejo a tradução mais brasileira e de massa desse magnífico estilo: a telenovela. Cresci assistindo as tramas engenhosas de Gilberto Braga, Sílvio de Abreu, Janete Clair, Cassiano Gabus Mendes, Gloria Perez e tantos outros.

O melodrama me chegou inicialmente pela novela e pelo cinema, logo depois apareceu na universidade a chance de estudar com o excelente professor Marco Camarotti em um grupo de pesquisa que iria sistematizar os processos de encenação dos dramas circenses, e mais uma vez fiquei responsável por fazer um seminário a partir do capítulo Melodrama do livro A experiência viva do teatro de Eric Bentley.

Desde esse encontro na universidade com o melodrama que resolvi assumir totalmente minha paixão pelo gênero, acredito que ele tem uma importância fundamental no meu processo de compreensão da teatralidade, pois para mim é o estilo cênico que esboça um dos graus máximos do teatro puro, pois ele é jogo o tempo inteiro.

O reencontro com melodrama através da chave estilística proposta pela Trupe Ensaia Aqui Ensaia Acolá me fez compreender como esse gênero encanta os sentidos dos espectadores, colocando eles diante da necessidade de brincar, de se enganar, de se emocionar, de rir da possível seriedade extrema do jogo.

O espetáculo O amor de Clotilde por um certo Leandro Dantas coloca a interface tradição melodramática (num diapasão paródico) e sua inserção no mundo contemporâneo. A trama de Clotilde, Leandro Dantas e de um possível emparedamento de uma mulher no século XIX se mistura com filmes, músicas, textos e imaginários do mundo pop.

A dramaturgia do espetáculo escrita coletivamente prima pelos golpes de ação, reviravoltas, surpresas, números de dublagem, recursos farsescos. Chamo de uma escrita de ação – no sentido de não deixar a trama parar, é nas idas e vindas da trama que está o segredo do texto deste espetáculo.  

Fiquei muito surpreso e feliz em ver uma escrita coletiva, pois é muito difícil um processo de trabalho coletivizado de dramaturgia funcionar, normalmente optamos por ter um autor que organiza esse processo. Mas o grupo conseguiu muito bem alinhavar a trama, sabendo ampliá-la e segurá-la quando fosse necessário.

A encenação dialoga a meu ver muito fortemente com a idéia de um teatro de brinquedo, onde silhuetas das personagens deslizam no palco, desenhando através do gesto melodramático uma partitura de ações que alteram os golpes teatrais propostos pelo texto. Esse desenho de ação preciso (quase coreográfico) se espelha também nos outros elementos (luz, sonoridade, figurino, maquiagem e espacialidade).

O trabalho dos atores tem uma grande unidade, principalmente alicerçada na composição da movimentação cênica. Andréa Rosa e Tatto Medinni assumem essa movimentação e executam firmemente as partituras de seus personagens. Andréa Veruska e Iara Campos pegam essas partituras e impõem uma assinatura bem individual, dando um toque autoral nelas.

O ator Jorge de Paula (que possui já uma grande contribuição na cena contemporânea do teatro pernambucano) conhece profundamente sua partitura, traz um desenho extremamente autoral e vivencia organicamente o jogo melodramático. Mas para mim a grande surpresa é Marcelo Oliveira, pois ele tem uma desenvoltura impressionante em cena, conseguindo aglutinar em seu processo de composição atorial – partitura clara, desenho autoral, jogo melodramático e talvez o mais difícil de tudo, o jogo com o espectador. O tempo inteiro Marcelo dialoga através de seus olhos extremamente expressivos com o espectador, ele parece entrar na alma do público e chegar ao coração do teatro de cada indivíduo, isso é a essência do jogo melodramático, falar integralmente com a alma teatral do espectador.    

Assistindo O amor de Clotilde compreendo mais a fascinante necessidade do melodrama em nossas vidas, ele nos faz ainda ter prazer de descobrir o doce sabor de ser feliz, de se divertir. Tem uma frase da personagem Geórgia (interpretada por Patrícia Travassos) na novela A lua me disse de Miguel Falabella e Maria Carmem Barbosa que resume bem a importância do melodrama na vida das pessoas, a personagem vira para a câmera e fala diretamente para os espectadores: “até se fecharem as cortinas eu ainda vou me divertir muito nessa novela”. A vida é um jogo, ou melhor, é o jogo da vida.  

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Sobre o crítico...

Wellington Junior
Diretor e ator de teatro, foi Professor do curso Regular de Teatro Sesc Santo Amaro (2001-2005), dos cursos livres do Sesc Piedade (2001-2005). Participou da Curadoria do VIII Festival Recife de Teatro Nacional (2005); Seminário de Critica Teatral (2005,2006 e 2010). Colaborador durante os anos de 2007 e 2008 no Portal TeatroPE. Em 2006 e 2007 foi Coordenador Pedagógico do Festival Todos Verão Teatro, realizado pela Federação de Teatro de Pernambuco.



Quando a Trupe Ensaia Aqui e Acolá lê o melodrama e o circo-teatro

Por Bruno Siqueira

O Amor de Clotilde por um certo Leandro Dantas fechou com chave de ouro a apresentação de espetáculos na IV Mostra Capiba de Teatro. Em nenhum dos dias houve um público tão numeroso, a ponto de se colocarem cadeiras extras para alguns espectadores se sentarem, enquanto outros ocupavam os balcões do teatro. Isso se deve ao sucesso que vem alcançando a montagem da Trupe Ensaia Aqui e Acolá, com a encenação de Jorge de Paula. Por que todo esse sucesso?

O espetáculo é livremente inspirado no romance do pernambucano Carneiro Vilela, A Emparedada da Rua Nova, escrito entre os anos de 1909 e 1912. A obra de Vilela se baseia num mito muito popular à época, de que, no século XIX, uma jovem burguesa, residente à Rua Nova, teria sido emparedada pelo próprio pai para se salvaguardar a honra da família, pois ele descobre que a filha, solteira, estava grávida. O autor centra seu enredo ficcional no triângulo amoroso que se instaura entre mãe, filha e amante. Ao descobrir o triângulo, o patriarca burguês manda assassinar o amante. A mãe enlouquece e a filha, grávida, recusando-se casar com o primo, é emparedada pelo próprio pai.

A montagem da Trupe Ensaia Aqui e Acolá se vale de alguns poucos elementos dessa história e constrói uma dramaturgia com a estética do melodrama, particularmente do melodrama dos Circos-Teatros. Apesar de todo estigma negativo que recebe da intelectualidade, sabemos que o melodrama é um gênero sério e muito popular. Nascido na Europa, torna-se um traço característico em nossa cultura latina, podendo ser observado, ainda hoje, nos comportamentos humanos, na teledramaturgia, no jornalismo, no cinema, na literatura.

O melodrama expressa uma visão ingênua da realidade. Tudo é interpretado a partir de um ponto de vista maniqueísta: de um lado os bons; de outro, os maus. Esse maniqueísmo revela uma concepção essencialista do ser humano: o homem é essencialmente bom ou essencialmente mau. Ou é mocinho(a) ou é vilão(ã). Ou é bondoso(a) ou é malvado(a). De acordo com essa concepção, não existem nuanças na psicologia humana. Não existem meios termos.

Dessa forma, o bem é sempre perseguido pelo mal, mas o mal deve ser também sempre punido. O melodrama aposta, assim, nas emoções epidérmicas do público. Apela para as lágrimas abundantes. Para a exacerbação dos sentimentos. Quem não reconhece isso em depoimentos de amantes reais que, abandonados pelos seus pares, se põem no lugar da vítima que foi enganada pelo outro, que agiu, por sua vez, de forma “canalha”?

Deve estar na mente de todos ainda (porque também o melodrama é um entretenimento descartável, pouco lembrado depois de usufruído) a novela criada pelo telejornalismo em cima do caso dos mineiros chilenos, soterrados há dois meses, a 700 metros de profundidade. Algumas emissoras transformaram a tragédia real num reality show, fazendo a cobertura integral do sofrimento dos familiares e do resgate, um a um, dos 33 trabalhadores pobres, explorados por um sistema capitalista cruel. A audiência dessas emissoras subiu consideravelmente. Isso só acontece porque nosso povo é ávido de emoções. Gosta de consumir melodramas.

E o que teria o circo a ver com tudo isso? É possível que a nossa geração coca-cola desconheça que, durante o século XX, pequenas companhias mambembes de circo apresentavam números de dramas teatrais, cômicos ou melodramáticos. Essa tradição foi perdendo espaço frente às inúmeras ofertas que a indústria cultural nos proporcionou. Mas nas cidades interioranas ainda é possível assistir a esses dramas circenses, em companhias muito pobres, que se apresentam para um público aberto à diversão popular.

O debate que se estabeleceu ontem, ao término da apresentação dO Amor de Clotilde..., foi um tanto confuso. Conforme depoimento do encenador, houve, em princípio, um desentendimento conceitual na Trupe quanto ao conceito de melodrama. No final das contas, optaram por se valer do que há de mais superficial no melodrama, ou seja, o exagero dos gestos e das emoções, para se aprofundarem na linguagem do circo-teatro. Ok. Logo após, afirmou categoricamente que o espetáculo não buscava o riso fácil, que não queria brincar com os clichês do melodrama, mas pretendia ser os próprios clichês, procurando representar o mais fiel possível o que acontece nos circos-teatros...

Ora, quem assistiu à peça, como eu, há de convir que o resultado traiu os propósitos da Trupe. O espetáculo não é e jamais será o que acontece no circo-teatro. Ele pode fazer, e faz, uma grande homenagem ao circo-teatro e ao melodrama, mas se trata de padrões estéticos diferenciados. Se o grupo pretendesse uma representação a mais fiel possível do circo-teatro e procurasse ser exatamente o clichê do melodrama, teria convidado um artista do próprio circo, justamente daquelas companhias extremamente pobres, para que pudesse fazer a encenação do drama, como sugere Camarotti em sua proposta de trabalho.


Mas não foi isso o que aconteceu. Toda a equipe possui um padrão de vida e um nível de escolaridade diferente do artista popular do circo-teatro. A maioria é constituída por arte-educadores e tem referências e olhares estéticos diferenciados dos que fazem a autêntica arte do circo-teatro. Isso se evidencia pela cenografia limpa e esteticamente equilibrada e pelas inúmeras citações que são postas de forma intelectualizada, mesmo em se tratando de referências populares e, a maioria delas, da cultura de massa. O discurso cênico faz uma leitura crítica dos clichês.

Mas a evidência maior é o olhar crítico e parodístico com que a encenação manipula os clichês do melodrama. Definitivamente, me desculpe Jorge, mas vocês não são o clichê: vocês brincam com o clichê, de forma intelectualizada. A plateia intelectualizada de ontem não riu de vocês, mas riu COM vocês.

Há uma diferença conceitual entre pastiche e paródia. O pastiche corresponde a uma recorrência a um gênero; à busca de uma imitação, grosseira ou perfeita, de um modelo, de um estilo (era isso, pelo que ficou claro ontem, o que vocês pretendiam com o melodrama); a paródia é, grosso modo, a imitação de um modelo, muitas vezes pelo viés do cômico, do riso ou do deboche (foi isso o que vocês mostraram ontem com a encenação). A paródia não deixa de ser uma homenagem ao modelo, mas uma homenagem crítica, sempre.

Para citar um exemplo muito conhecido de você, Jorge, a encenação de Augusta Ferraz da Emparedada da Rua Nova faz um pastiche do melodrama, não uma paródia. Há uma imitação dos clichês, sem o viés crítico do riso. Pelo contrário, a proposta parecia ser uma homenagem ao melodrama, feito de forma “mais séria” possível. Fica claro?

O que vocês fazem com o melodrama está mais próximo da proposta de Enrique Diaz, da Cia. dos Atores, em seu espetáculo Melodrama (1995). Trata-se de uma paródia. E de um puta trabalho de direção e de atores. O diferencial é que a pesquisa da Cia. dos Atores vai pelo caminho do melodrama europeu. E a de vocês, pelo caminho do circo-teatro, uma outra vertente do melodrama, vale salientar. Se vocês foram ver o melodrama in loco, no próprio circo, não significa que assistiram ao “autêntico” melodrama, ao contrário dos estudos intelectuais (Thomasseau, etc), como você pressupôs ontem, Jorge. Esse “autêntico” se perdeu no tempo. O que temos agora são leituras: as de Thomasseau, as da televisão, as do circo-teatro etc.

Pegando aquela diferenciação de conceitos, com relação ao circo-teatro vocês procuram, sim, me parece, fazer um pastiche, um tanto grosseiro, é verdade, uma vez que a estetização proposta pela encenação é algo talvez inviável economicamente para as companhias populares (e pobres!) de circo.

Em última análise, vocês rendem uma grande e linda homenagem clownesca tanto ao melodrama em si quanto ao circo-teatro. E o riso é fácil. E o riso é saboroso. Não conseguimos segurar as gargalhadas diante dos shows dos atores com as músicas românticas/bregas Endless Love, de Lionel Richie e Diana Ross; Temporal de amor, de Leandro & Leonardo; Total Eclipse do Amor, de Wilson & Soraia. Todos merecedores de aplausos em cena aberta. Os atores estão muito bem afinados e sintonizados. O elenco todo está de parabéns! 

Vale menção o primoroso figurino de Marcondes Lima. Também o figurino faz uma leitura das figuras clownescas do circo-teatro. Um trabalho minucioso de um dos mais brilhantes artistas da cidade. Boa parte dos atores, inclusive o encenador, foi aluno de Marcondes. Não é à toa que a encenação lembra, em muitos dos aspectos estilísticos, o humor característico do mestre.

A montagem é excelente! Que a Trupe não se sinta culpada com o riso fácil nem com o intelectualismo. O trabalho de vocês propõe o riso fácil e muito mais. Propõe o melodrama e muito mais. Propõe o circo-teatro e muito mais. Propõe o popular e muito mais.

Assumam o riso!  Porque, querendo ou não, nós rimos à beça, por razões as mais diversas. Deixemos de lado a culpa cristã do riso ou o superego platônico para o mesmo. O espetáculo é lindo e divertido. E ponto final.         

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A IV Mostra Capiba de Teatro chega ao seu final com sucesso absoluto. Foram, ao todo, 8 espetáculos escolhidos com muito critério. Todas as montagens revelaram uma pesquisa séria da linguagem teatral, discutindo propostas e tendências para o teatro em nossa cidade.

Coincidentemente, muitos dos artistas envolvidos nesses espetáculos são provenientes da Universidade, do curso de Licenciatura em Artes Cênicas. Isso mostra que está acabando aquele fosso que separava ideologicamente os artistas da cidade dos intelectuais da academia. A crítica ao academicismo e à intelectualidade não faz mais sentido nos dias de hoje. Boa parte dos professores do curso de Artes Cênicas é de artistas; boa parte dos artistas-pesquisadores que despontam na cidade provém da Universidade. Esse diálogo tem-se mostrado proveitoso e só vem a somar à produção artística local.

Está de parabéns Breno Fittipaldi, supervisor de Cultura do Sesc Casa Amarela, e toda sua equipe. Tudo ocorreu satisfatória e maravilhosamente bem. A organização dos detalhes, desde o belíssimo programa da mostra (criação de Alberto Saulo) ao suporte técnico do teatro, merece aqui especial louvor.

Aguardemos, pois, ansiosos, a V Mostra Capiba de Teatro!

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Sobre o Crítico...

Bruno Siqueira
Doutor em Literatura Dramática e professor do curso de Artes Cênicas da UFPE. É crítico teatral, tendo participado como colaborador efetivo do Portal TeatroPE nos anos de 2007 e 2008. Colaborou com o Diário de Pernambuco, com a publicação de alguns textos de crítica teatral. Tem artigos críticos publicados em revistas e livros acadêmicos.

domingo, 12 de dezembro de 2010

As Suas Mãos Onde Estão? ou Quando Aquiles Sangrou fecha hoje a Mostra Capiba de Teatro















Alegoria da perda amorosa dentro de uma relação homo afetiva. Desfilando memórias e a possibilidade de um discurso romântico dentro da internet, dois personagens, um no presente e outro na Grécia antiga dialogam sobre a amorosidade, a impossibilidade do casal e a superação, no encontro com o ato de recordar.

Ficha técnica:
Elenco: Cleyton Cabral e Pascoal Filizola
Autor: Carlos Bartolomeu
Diretor: Wellington Junior
Fotografias: Ronaldo Menezes
Realização: Atividades Formativas do Teatro de Santa Isabel / Cia do Chiste

sábado, 11 de dezembro de 2010

O Amor de Clotilde por um certo Leandro Dantas no penúltimo dia da Mostra Capiba de Teatro

















Espetáculo adapta para a estética do Circo-Teatro o romance A Emparedada da Rua Nova, um dos clássicos da literatura pernambucana. Escrito entre 1909 e 1912 e posteriormente publicada em um único volume, A Emparedada da Rua Nova é um romance que relata a história de Clotilde, emparedada viva pelo pai, o comerciante Jaime Favais, como castigo por engravidar do galante Leandro Dantas. A história do emparedamento da jovem é uma das lendas que fazem parte do imaginário recifense. Há quem acredite que a obra de Carneiro Vilela é inspirada em um caso nebuloso que de fato teria ocorrido na época.

Em O Amor de Clotilde por um certo Leandro Dantas somente algumas características dos personagens principais do romance original são mantidas – a obra de Carneiro Vilela é apenas o ponto de partida escolhido para trabalhar o circo-teatro e seu principal gênero dramático – o melodrama.  Inspirados nos clichês presentes em folhetins, cinema e novelas, o grupo tomou a liberdade de alterar o clássico da literatura pernambucana, inserindo reviravoltas e um novo desfecho para o casal que viveu um amor proibido no Recife do século XIX.

A trilogia circense proposta pela Trupe é baseada em pesquisas sobre a obra de Marco Camarotti (1947-2004). PhD em teatro, Camarotti se debruçou sobre modalidades teatrais que são marginalizadas pela sociedade: o teatro para a infância e juventude, o circo-teatro e o teatro folclórico.

Ficha técnica:

Dramaturgia: O amor de Clotilde por um certo Leandro Dantas (texto melodramático livremente inspirado no romance de domínio público A Emparedada da Rua Nova, de Carneiro Vilela)
Dramaturgo/Pesquisa da trilha sonora/Produção: Trupe Ensaia Aqui e Acolá
Revisão de texto/Edição de som: Heber Costa
Encenação: Jorge de Paula
Direção de atores: Ceronha Pontes
Cenário: Jorge de Paula Cenotécnico: Altino Francisco
Figurino: Marcondes Lima
Execução de figurino: Helena Beltrão
Maquiagem: Trupe Ensaia Aqui e Acolá com assessoria de Ana Medeiros
Designer de luz: Sávio Uchôa
Operação de luz: Dado Sodi
Operação de som: Juliana Montenegro
Programação visual: Sophia Costa
Fotografia: Priscilla Buhr
Assessor de Imprensa: Guilherme Gatis
Elenco: Andréa Rosa, Andréa Veruska, Jorge de Paula, Iara Campos, Marcelo Oliveira e Tatto Medinni


Bosco Brasil e sua dramaturgia em tensão

Por Wellington Júnior

A escrita de Bosco Brasil é muito conhecida em todo o Brasil, principalmente por sua teledramaturgia. Bosco escreveu a novela Tempos modernos, recentemente, exibida pela Rede Globo de Televisão.  Mas sua obra teatral não é tão assistida pelo grande público. Bosco fez parte da primeira geração de dramaturgos da conhecida Nova Dramaturgia. Ao seu lado figuram também: Aimar Labaki, Mario Bortolotto, Marici Salomão e Alberto Guzik.

Esta geração foi desbravadora, pois o que dominava na cena teatral no momento de seu surgimento era a força dos encenadores, do teatro imagem. E esses autores trouxeram uma retomada da importância da palavra e de um teatro onde os conteúdos ainda tivessem um significado.

Bosco Brasil é um autor marcadamente influenciado pelas escritas de Edward Albee e Harold Pinter. Há em sua dramaturgia um alicerce realista, mas ele cria brechas (ou buracos como preferia afirmar Pinter) por onde se podem penetrar os elementos irracionais da cena. Vejo também em seu processo de trabalho um amplo desejo de experimentação.

Acompanhando a trajetória do Bosco, vemos um início com a peça Budro (1994), que traz uma escrita marcadamente influenciada pela tensão entre realidade e construção de uma inação; numa segunda fase, onde está presente o texto Novas diretrizes em tempos de paz(2001), temos um autor mais preocupado com o significado poético da ação. Acredito que hoje temos na escrita de Bosco uma terceira fase onde uma aproximação urbana e mais popular se figura, penso no caso do texto Corações encaixotados (2007), uma peça romântica e amparada num diálogo direto com os princípios catárticos.

O texto montado pelo Visível Núcleo de CriaçãoO acidente  (2000) – faz parte de uma área intermediária na criação do Bosco, pois tem características de uma primeira fase – vemos na história de Mário e Mirian um encontro inusitado desses seres, quase como dois personagens beckettianos e ao mesmo tempo temos a violência urbana colada ao enredo – e possui também elementos de segunda fase – os elementos poéticos presentes no diálogo, principalmente nos momentos de delírios desses personagens.

Essa característica de tensão de elementos tão presente na escrita de Bosco em O acidente provavelmente surgiu por causa de sua necessidade de experimentação tanto do ponto de vista dos temas quanto do desejo de alargamento formal.  Para tanto o autor sacrifica ao máximo a busca de inação tão forte na trama, causando uma quebra em alguns casos de um fio de ligação com o espectador. Isso é natural, pois o autor está experimentado novas formas e para isso é preciso quebrar paradigmas e depois encontrar equilíbrio nesse novo formato.

Mesmo com essas tensões, quando assisto um texto do Bosco Brasil fico encantado com sua necessidade de falar de seu tempo tanto nos conteúdos quanto nas soluções estéticas. E assistindo O acidente percebo o quanto ele é um inquieto na pesquisa dramatúrgica.  
   
A encenação e o trabalho dos atores na montagem de O acidente em Recife estão fortemente dialogando com a escrita do Bosco e realizam com ele um instigante processo de construção de cena. A idéia de intimidade proposta pela montagem é um grande diferencial e auxilia na formação dessa idéia de realidade que o autor quer tanto em seus textos; ao lado disso, a montagem através da concepção de luz apresenta os espaços poéticos da dramaturgia do Bosco.

Sem sombra de dúvida que é no trabalho dos atores que a montagem se alicerça bastante. Kleber Lourenço e Sandra Possani apresentam uma construção delicada e bem aprofundada desses personagens. Vemos como um princípio aparentemente antigo – o realismo – pode manter um diálogo provocativo com a cena contemporânea. Sinto falta de um maior mergulho nos espasmos delirantes desses personagens, pois às vezes eles parecem seguros demais em cena.

A montagem de O acidente é um importante diferencial no panorama da cena teatral pernambucana por buscar com força e desejo realizar uma investigação contemporânea sobre a palavra e a ação na dramaturgia do século XXI. Por isso e pelo excelente trabalho estético, o Visível Núcleo de Criação é um instigante coletivo teatral.       

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Sobre o crítico...

Wellington Junior
Diretor e ator de teatro, foi Professor do curso Regular de Teatro Sesc Santo Amaro (2001-2005), dos cursos livres do Sesc Piedade (2001-2005). Participou da Curadoria do VIII Festival Recife de Teatro Nacional (2005); Seminário de Critica Teatral (2005,2006 e 2010). Colaborador durante os anos de 2007 e 2008 no Portal TeatroPE. Em 2006 e 2007 foi Coordenador Pedagógico do Festival Todos Verão Teatro, realizado pela Federação de Teatro de Pernambuco.

Um desconforto desconcertante

Por Duda Martins

O Visível Núcleo de Criação trouxe ontem à IV Mostra Capiba de Teatro a peça O Acidente, texto do paulistano Bosco Brasil e direção de Fausto Filho. O elenco é composto apenas por Kléber Lourenço e a gaúcha Sandra Possani, especialistas na arte de constranger. Digo isso porque desconforto, sufocante, é o que sentimos do começo ao fim da montagem. O grupo fez questão de colocar à mostra como os anseios e as expectativas das relações são difíceis de lidar, quando encarados frente a frente.  

Antes mesmo que a peça comece, somos convidados a entrar na casa de Mário.  A disposição do público em torno e tão próximo da pequena sala realmente nos faz sentir como quando entramos numa festa que não conhecemos ninguém. E ficamos observando tudo, os mínimos detalhes, fingindo que não estamos incomodados, mas loucos para que chegue logo, urgente, alguém com que eu me sinta à vontade pelo menos para respirar normalmente. Na sala olhamos a enorme quantidade de livros espalhados pelo chão, estante e mesinhas. “Moby Dick”. Li o primeiro título, chacolhando a perna inquieta, louca para que a luz apagasse e eu sumisse daquela cena. Mário entra e isso não acontece. Ainda estamos lá, e apesar de ele não saber disso, há a nítida sensação que sou voyeaur das mais intrometidas. “Machado de Assis”, me esforço para ler a capa de outro livro, tentando desvendar a personalidade daquele ser estranho.

É 21 de junho, se não estou enganada, aniversário de Mário. A secretária eletrônica é uma carrasca, na medida em que nega os convites e mostra os verdadadeiros amigos ofertando as mais variadas desculpas. Estou quase indo embora também. É que não suporto constatar a solidão de ninguém. Até que enfim, Mírian toca a campanhia. Ufa! Alguém para me fazer companhia. Mas como ela também não sabe que estou por lá,  é a sua vez de sofrer de desconforto.

- A Abigail não vem?
- Ela ainda não deu notícias
- Quem mais vem?
- O pessoal da firma

Ninguém mais vai vir. E eles cruzam os olhares rapidamente, bebem o vinho (duas garrafas) rapidamente, e falam frases desconexas, interrompidas por uma ansiedade, uma sensação estranha. O texto de Bosco é sempre assim. O constragimento não passa nunca, olhar nos olhos é a tarefa mais difícil da noite. Mas o sentimento pára por aí.

O Acidente propõe um realismo interessante. A quarta parede de pé para eles (personagens) e totalmente demolida para nós (espectadores). A interpretação, no entanto, não alcança o naturalismo proposto por Stanislavski. A narrativa fragmentada  depõe contra os atores, que engessados em diálogos que nunca se completam,  não parecem à vontade nem mesmo para interpretar. A bebida é real, mas a ação de beber não se dá de forma natural, assim como as confissões, os gritos, o toque. O sentimento é que de tanto tentar ser constrangedora, a peça não flui e não nos alcança nos demais níveis.

Kléber Lourenço e Sandra Possani tem potencial suficiente para dar mais vida à  Mário e Mírian.  O enredo e o elenco têm capacidade para nos fazer criar uma identidade com as personagens, de chorar junto com elas, e nos decepcionar junto com elas,  como propõe o realismo nu e cru. Tentei sentir tudo isso, mas não veio nada além do desconforto. Como já disse em outras críticas, alcançar esse nível de interpretação realista, minimalista, não é fácil. É um exercício diário no ofício do ator, e não tenho dúvidas de que chegam lá. O texto talvez trave esse processo de fruição das personagens.

Destaco ainda o olhar sensível da iluminadora Luciana Raposo, e os figurinos e objetos cênicos bem cuidados.  

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Sobre a crítica...

Duda Martins
É Jornalista e trabalha como repórter no Caderno C (Jornal do Comercio PE). Em 2010 fez as coberturas de Turnê Dionisíacas Teatro Oficina no Recife, Festival Palco Giratório, Janeiro de Grandes Espetáculos e participou como critica do Seminário Internacional de Crítica Teatral.

Solidão, isolamento e incomunicabilidade num espetáculo sensível

Por Bruno Siqueira

“Nova Dramaturgia”. Uma expressão muito vaga para o que tem sido escrito em teatro nas duas últimas décadas. Sem falar que se trata de um termo criado pela crítica do eixo Rio de Janeiro—São Paulo para se referir à produção dramatúrgica apenas dessa região. Pelas produções que nos chegam, esse qualificativo “nova” parece se referir muito mais a uma questão cronológica, ou seja, ao momento contemporâneo da dramaturgia do Sudeste brasileiro, do que propriamente a um pressuposto estético elementar, no sentido de experimentações formais e substanciais.

É o caso de Bosco Brasil, dramaturgo paulista que tem produzido profissionalmente para teatro desde a década de 1990. Confesso que dele conheço apenas dois textos, Novas Diretrizes em Tempos de Paz e O Acidente, e por isso não tecerei comentários mais globais. Focarei meu olhar sobre O Acidente, que, este ano, foi encenado pela Visível Núcleo de Criação, sob a direção de Fausto Filho, e apresentado, ontem, na IV Mostra Capiba de Teatro.

O texto tem uma clara influência da dramaturgia de Harold Pinter, sobretudo num ponto que foi levantado pela academia sueca, na ocasião da premiação do dramaturgo inglês com o Nobel de Literatura: "Pinter devolveu o teatro a seus elementos básicos: um espaço fechado e um diálogo imprevisível, onde as pessoas perdoam umas às outras e onde não há lugar para a ambição".

O Acidente é uma peça de cena única, com duas personagens, Mário e Mírian. Por ocasião do aniversário de Mário, Mírian se vê, acidentalmente, sozinha no apartamento do colega de trabalho, uma vez que os demais convidados simplesmente não compareceram. No diálogo tenso que se desdobra em cena, com falas curtas e entrecortadas, as personagens deixam revelar seus medos, traumas, angústias, imagens idealizadas que um fazia do outro, num realismo intenso que em determinados momentos se aproxima do absurdo.

O dramaturgo constrói personagens comuns do cotidiano e concentra a ação num dado momento de suas vidas, para desvelar a solidão, o isolamento e a incomunicabilidade do ser humano no mundo contemporâneo. Só essa temática já seria suficiente para justificar a qualidade da peça. Apesar disso, o texto não me alcança esteticamente. A ação me parece gratuita, forçada, com um diálogo frágil, ainda que seu mérito seja o de criar a tensão sufocante na cena. Mas isso é uma opinião absolutamente pessoal. A muitos que assistiram ao espetáculo na Mostra, parece que o efeito foi o contrário, a depender dos comentários feitos no debate que se instaurou logo após a apresentação.

O que faltou ao texto foi compensado na cuidadosa encenação de Fausto Filho. Mesmo numa concepção realista da cena, em que os atores procuram agir com naturalidade (tanta, que bebem praticamente sozinhos duas garrafas de vinho) numa cena delimitada pelas quatro paredes da sala do apartamento de Mário, o público é convidado a abandonar o espaço da plateia, de visão frontal, para invadir a cena em suas fronteiras. Como se as paredes desse apartamento tivessem furos por onde cada espectador pudesse espiar a vida íntima daquelas duas personagens. Num mundo dominado pelos reality shows, a encenação abre espaço para o público exercer sua curiosidade mórbida, olhando pelas diversas fissuras nas paredes.

Há, assim, uma proximidade maior entre atores e espectadores, o que é muito curioso e interessante. Apesar da dificuldade inerente à interpretação realista, Kléber Lourenço e Sandra Possani conseguem viver suas personagens com bastante desenvoltura e emoção, expressando as angústias e tensões de suas personagens.

Por fim, vale uma menção especial à direção de arte de Java Araújo e à iluminação de Luciana Raposo. O primeiro contribui com a cena criando uma visualidade simples, realista e esteticamente funcional. Luciana Raposo, por sua vez, é uma das grandes, e melhores, iluminadoras da cidade. A sua luz para o espetáculo procura salientar o clima realista da cena, mas, no momento de maior tensão, próximo ao final da peça, as luzes brancas diminuem e intensifica-se uma luminosidade azul nas estantes e nos livros espalhados pela sala, que se soma ao vermelho intenso do abajur e ao amarelo da mesa, criando uma atmosfera expressionista que nos permite sair da superfície da realidade e mergulhar nas camadas obscuras daquelas duas personagens angustiadas.

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Sobre o Crítico...

Bruno Siqueira
Doutor em Literatura Dramática e professor do curso de Artes Cênicas da UFPE. É crítico teatral, tendo participado como colaborador efetivo do Portal TeatroPE nos anos de 2007 e 2008. Colaborou com o Diário de Pernambuco, com a publicação de alguns textos de crítica teatral. Tem artigos críticos publicados em revistas e livros acadêmicos.