Por Wellington Júnior
A escrita de Bosco Brasil é muito conhecida em todo o Brasil, principalmente por sua teledramaturgia. Bosco escreveu a novela Tempos modernos, recentemente, exibida pela Rede Globo de Televisão. Mas sua obra teatral não é tão assistida pelo grande público. Bosco fez parte da primeira geração de dramaturgos da conhecida Nova Dramaturgia. Ao seu lado figuram também: Aimar Labaki, Mario Bortolotto, Marici Salomão e Alberto Guzik.
Esta geração foi desbravadora, pois o que dominava na cena teatral no momento de seu surgimento era a força dos encenadores, do teatro imagem. E esses autores trouxeram uma retomada da importância da palavra e de um teatro onde os conteúdos ainda tivessem um significado.
Bosco Brasil é um autor marcadamente influenciado pelas escritas de Edward Albee e Harold Pinter. Há em sua dramaturgia um alicerce realista, mas ele cria brechas (ou buracos como preferia afirmar Pinter) por onde se podem penetrar os elementos irracionais da cena. Vejo também em seu processo de trabalho um amplo desejo de experimentação.
Acompanhando a trajetória do Bosco, vemos um início com a peça Budro (1994), que traz uma escrita marcadamente influenciada pela tensão entre realidade e construção de uma inação; numa segunda fase, onde está presente o texto Novas diretrizes em tempos de paz(2001), temos um autor mais preocupado com o significado poético da ação. Acredito que hoje temos na escrita de Bosco uma terceira fase onde uma aproximação urbana e mais popular se figura, penso no caso do texto Corações encaixotados (2007), uma peça romântica e amparada num diálogo direto com os princípios catárticos.
O texto montado pelo Visível Núcleo de Criação – O acidente (2000) – faz parte de uma área intermediária na criação do Bosco, pois tem características de uma primeira fase – vemos na história de Mário e Mirian um encontro inusitado desses seres, quase como dois personagens beckettianos e ao mesmo tempo temos a violência urbana colada ao enredo – e possui também elementos de segunda fase – os elementos poéticos presentes no diálogo, principalmente nos momentos de delírios desses personagens.
Essa característica de tensão de elementos tão presente na escrita de Bosco em O acidente provavelmente surgiu por causa de sua necessidade de experimentação tanto do ponto de vista dos temas quanto do desejo de alargamento formal. Para tanto o autor sacrifica ao máximo a busca de inação tão forte na trama, causando uma quebra em alguns casos de um fio de ligação com o espectador. Isso é natural, pois o autor está experimentado novas formas e para isso é preciso quebrar paradigmas e depois encontrar equilíbrio nesse novo formato.
Mesmo com essas tensões, quando assisto um texto do Bosco Brasil fico encantado com sua necessidade de falar de seu tempo tanto nos conteúdos quanto nas soluções estéticas. E assistindo O acidente percebo o quanto ele é um inquieto na pesquisa dramatúrgica.
A encenação e o trabalho dos atores na montagem de O acidente em Recife estão fortemente dialogando com a escrita do Bosco e realizam com ele um instigante processo de construção de cena. A idéia de intimidade proposta pela montagem é um grande diferencial e auxilia na formação dessa idéia de realidade que o autor quer tanto em seus textos; ao lado disso, a montagem através da concepção de luz apresenta os espaços poéticos da dramaturgia do Bosco.
Sem sombra de dúvida que é no trabalho dos atores que a montagem se alicerça bastante. Kleber Lourenço e Sandra Possani apresentam uma construção delicada e bem aprofundada desses personagens. Vemos como um princípio aparentemente antigo – o realismo – pode manter um diálogo provocativo com a cena contemporânea. Sinto falta de um maior mergulho nos espasmos delirantes desses personagens, pois às vezes eles parecem seguros demais em cena.
A montagem de O acidente é um importante diferencial no panorama da cena teatral pernambucana por buscar com força e desejo realizar uma investigação contemporânea sobre a palavra e a ação na dramaturgia do século XXI. Por isso e pelo excelente trabalho estético, o Visível Núcleo de Criação é um instigante coletivo teatral.
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Sobre o crítico...
Wellington Junior
Diretor e ator de teatro, foi Professor do curso Regular de Teatro Sesc Santo Amaro (2001-2005), dos cursos livres do Sesc Piedade (2001-2005). Participou da Curadoria do VIII Festival Recife de Teatro Nacional (2005); Seminário de Critica Teatral (2005,2006 e 2010). Colaborador durante os anos de 2007 e 2008 no Portal TeatroPE. Em 2006 e 2007 foi Coordenador Pedagógico do Festival Todos Verão Teatro, realizado pela Federação de Teatro de Pernambuco.
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