quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Fiando a ausência

Por Wellington Júnior

A vida se parece mais com uma macarronada do que com as tranças de Dorothy, do filme O mágico de Oz. Você olha para a macarronada, vê um fio de macarrão e ele logo some macarronada adentro. Você vê outro fio, que some também, e outro, e mais outro. E assim, um por um, você vê, segue e perde todos os fios na macarronada, uma maçaroca embolada.

Os fios das tranças, não. Você os vê, segue, eles também somem na mesma direção, lado a lado, arrumadinhos. E reaparecem mais adiante, para sumirem em seguida, e reaparecerem, e assim, até o fim. Dá até para imaginar o percurso de cada um dos fios, até terminarem todos juntos depois da fita azul.

A dramaturgia de Joaquim Cardozo (em O capataz de Salema) é como as trancinhas de Dorothy, pois podemos acompanhar a trajetória clara de seus personagens dentro de um tempo e espaço fechados. Esse fio de história que nos conduz na busca da ausência. Luzia, João (o capataz) e Sinhá Ricarda desejam tempos melhores, mas no final restam apenas cinzas de uma vida. Esta falta é também traduzida por Cardozo na forma completamente não-dramática, de inação.

A encenação de André Filho assume a ausência de ação como um elemento poético na escritura espetacular. André elabora imagens e sonoridades que exploram as potências desse estado de imobilidade. A partir dessa idéia, vemos uma composição cênica que nos conduz num estado temporal e espacial que está muito próximo da presença da morte. E quando a morte entra no teatro, o espectador é levado a uma energia extra-cotidiana de recepção.

O trabalho de interpretação no espetáculo O capataz de Salema da Fiandeiros Companhia de Teatro é, para mim, o elemento mais importante, pois vemos um outro tipo de estrutura atorial, diferenciada do que vemos normalmente em nossos palcos. Os atores Jefferson Larbos, Daniela Travassos, Manuel Carlos, Kéllia Phaysa, Paula Carolina e Charly Jadson elaboram uma composição (principalmente no sentido musical) que está alicerçada pelo texto (constituição imagética da ação e sua sonoridade espacializada), mas ampliando seus significados e sentidos.

Assim a construção interpretativa impõe na organicidade da cena um corpus atorial que amplia o sentindo de ausência, quase como se víssemos ali homens vivos, mas em estado de morte. Bonecos (como em uma idéia de Kleist e Kantor) expondo através de sua imobilidade a sombra dos homens em suas realidades sociais.

É uma das marcas da companhia o apuro visual e sonoro em seus espetáculos. Em O capataz, a iluminação precisa e poética cria uma atmosfera de penumbra, de escondido. A escrita da luz no espetáculo nos mostra e esconde a vida e a morte desses seres soterrados pelas águas gélidas da humanidade. Ao lado, vemos a espacialidade do espetáculo que traduz essa casinha perdida e também constrói esse mar de parcas ao fundo, onde os objetos são sonoridades.

Esse é meu terceiro texto crítico sobre a Fiandeiros Companhia de Teatro, venho acompanhando minuciosamente o percurso trilhado pelo grupo e percebo o quanto deseja se comunicar através de sua proposta estética com os espectadores contemporâneos. E trazem sempre para a cena uma proposta diferenciada de relação com o tempo e o espaço no mundo modernizado, pois centram seus desejos teatrais numa humanização da arte.

Estamos agora na metade da Mostra Capiba de Teatro, que está conseguindo apresentar um amplo e instigante panorama do teatro contemporâneo. Percebo cada vez mais que a cena pernambucana está repleta de propostas de abordagens teatrais muito diferentes. Mesmo que possamos achar traços estilísticos comuns, mas cada grupo assina individualmente seu olhar de mundo, ampliando conceitos sobre o homem deste novo século.  
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Sobre o crítico...

Wellington Junior
Diretor e ator de teatro, foi Professor do curso Regular de Teatro Sesc Santo Amaro (2001-2005), dos cursos livres do Sesc Piedade (2001-2005). Participou da Curadoria do VIII Festival Recife de Teatro Nacional (2005); Seminário de Critica Teatral (2005,2006 e 2010). Colaborador durante os anos de 2007 e 2008 no Portal TeatroPE. Em 2006 e 2007 foi Coordenador Pedagógico do Festival Todos Verão Teatro, realizado pela Federação de Teatro de Pernambuco.


       

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