Por Duda Martins
Receita para uma peça de sucesso: uma carroça, um banquinho de madeira, um texto que faz pensar e uma boa atriz. Obs: caso não tenha os três ingredientes iniciais, a boa atriz já basta. Nas década de 50 e 60, a inigualável Cacilda Becker enchia de vida os palcos brasileiros. Naquela época, as pessoas se dirigiam ao teatro não para assistir uma peça, mas para ver a atriz em ação. Na noite de ontem o teatro estava relativamente cheio. Se Recife conhecesse de fato que artista era aquela que se apresentaria na IV Mostra Capiba, não mediria esforços para ir ao teatro. A peça pouco importa, Augusta Ferraz está no palco.
Enaltecer as qualidades artísticas desta atriz que acumula quase 40 anos de palco é esforço desnecessário. Após a apresentação, Augusta quis conversar. Sabido aquele que ficou, pois levou de brinde uma lição daquele exemplo de mulher que ama a arte. No palco não é diferente. A despeito de se apropriar da história da professora Guiomar, a própria Augusta é didática. Ensina enquanto fala, se move, respira, sente, atua. Uma aula intensiva de interpretação.
Augusta vive Guiomar – A Filha da Mãe, uma louca em pleno estado de sanidade. Submetida a regras e injusticas sociais, a personagem vomita as mazelas de uma pátria (?) falida. Da sua carroça testemunhou alguns dos acontecimentos mais marcantes do País, desde a colonização, passando pela inquisição, até chegar ao desvastador narcotráfico. Lançando mão da tradição oral popular, Guiomar traça um panorama da história do Brasil, e com humor cáustico dá um soco no estômago do espectador.
Essa atriz é ousada. Ela e Guiomar suscitam vários questionamentos sobre qual o papel social de um artista de teatro num País como o nosso. Termino o texto citando um mestre pensador do teatro, que ao longo da minha curta trajetória me ensinou, assim como Augusta e Guiomar, qual o principal sentido da arte.
“Antes de retornar à cultura, constato que o mundo tem fome e que não se preocupa com a cultura; e que é de um modo artificial que se pretende dirigir para a cultura pensamentos voltados apenas para a fome. O mais urgente não me parece tanto defender uma cultura cuja existência nunca salvou qualquer ser humano de ter fome e da preocupação de viver melhor, mas extrair, daquilo que se chama cultura, ideias cuja força viva é idêntica à da fome.”
(Antonin Ataud)
--
Sobre a crítica...
Duda Martins
É Jornalista e trabalha como repórter no Caderno C (Jornal do Comercio PE). Em 2010 fez as coberturas de Turnê Dionisíacas Teatro Oficina no Recife, Festival Palco Giratório, Janeiro de Grandes Espetáculos e participou como critica do Seminário Internacional de Crítica Teatral.
Nenhum comentário:
Postar um comentário