segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Nesse direito de amar, eu quero muitas transas e caretas, pois o que sobra mesmo é um ti ti ti

Por Wellington Júnior

Começarei falando da importância do melodrama na minha trajetória. Sou um apaixonado por esse gênero. Desde pequenino que vejo a tradução mais brasileira e de massa desse magnífico estilo: a telenovela. Cresci assistindo as tramas engenhosas de Gilberto Braga, Sílvio de Abreu, Janete Clair, Cassiano Gabus Mendes, Gloria Perez e tantos outros.

O melodrama me chegou inicialmente pela novela e pelo cinema, logo depois apareceu na universidade a chance de estudar com o excelente professor Marco Camarotti em um grupo de pesquisa que iria sistematizar os processos de encenação dos dramas circenses, e mais uma vez fiquei responsável por fazer um seminário a partir do capítulo Melodrama do livro A experiência viva do teatro de Eric Bentley.

Desde esse encontro na universidade com o melodrama que resolvi assumir totalmente minha paixão pelo gênero, acredito que ele tem uma importância fundamental no meu processo de compreensão da teatralidade, pois para mim é o estilo cênico que esboça um dos graus máximos do teatro puro, pois ele é jogo o tempo inteiro.

O reencontro com melodrama através da chave estilística proposta pela Trupe Ensaia Aqui Ensaia Acolá me fez compreender como esse gênero encanta os sentidos dos espectadores, colocando eles diante da necessidade de brincar, de se enganar, de se emocionar, de rir da possível seriedade extrema do jogo.

O espetáculo O amor de Clotilde por um certo Leandro Dantas coloca a interface tradição melodramática (num diapasão paródico) e sua inserção no mundo contemporâneo. A trama de Clotilde, Leandro Dantas e de um possível emparedamento de uma mulher no século XIX se mistura com filmes, músicas, textos e imaginários do mundo pop.

A dramaturgia do espetáculo escrita coletivamente prima pelos golpes de ação, reviravoltas, surpresas, números de dublagem, recursos farsescos. Chamo de uma escrita de ação – no sentido de não deixar a trama parar, é nas idas e vindas da trama que está o segredo do texto deste espetáculo.  

Fiquei muito surpreso e feliz em ver uma escrita coletiva, pois é muito difícil um processo de trabalho coletivizado de dramaturgia funcionar, normalmente optamos por ter um autor que organiza esse processo. Mas o grupo conseguiu muito bem alinhavar a trama, sabendo ampliá-la e segurá-la quando fosse necessário.

A encenação dialoga a meu ver muito fortemente com a idéia de um teatro de brinquedo, onde silhuetas das personagens deslizam no palco, desenhando através do gesto melodramático uma partitura de ações que alteram os golpes teatrais propostos pelo texto. Esse desenho de ação preciso (quase coreográfico) se espelha também nos outros elementos (luz, sonoridade, figurino, maquiagem e espacialidade).

O trabalho dos atores tem uma grande unidade, principalmente alicerçada na composição da movimentação cênica. Andréa Rosa e Tatto Medinni assumem essa movimentação e executam firmemente as partituras de seus personagens. Andréa Veruska e Iara Campos pegam essas partituras e impõem uma assinatura bem individual, dando um toque autoral nelas.

O ator Jorge de Paula (que possui já uma grande contribuição na cena contemporânea do teatro pernambucano) conhece profundamente sua partitura, traz um desenho extremamente autoral e vivencia organicamente o jogo melodramático. Mas para mim a grande surpresa é Marcelo Oliveira, pois ele tem uma desenvoltura impressionante em cena, conseguindo aglutinar em seu processo de composição atorial – partitura clara, desenho autoral, jogo melodramático e talvez o mais difícil de tudo, o jogo com o espectador. O tempo inteiro Marcelo dialoga através de seus olhos extremamente expressivos com o espectador, ele parece entrar na alma do público e chegar ao coração do teatro de cada indivíduo, isso é a essência do jogo melodramático, falar integralmente com a alma teatral do espectador.    

Assistindo O amor de Clotilde compreendo mais a fascinante necessidade do melodrama em nossas vidas, ele nos faz ainda ter prazer de descobrir o doce sabor de ser feliz, de se divertir. Tem uma frase da personagem Geórgia (interpretada por Patrícia Travassos) na novela A lua me disse de Miguel Falabella e Maria Carmem Barbosa que resume bem a importância do melodrama na vida das pessoas, a personagem vira para a câmera e fala diretamente para os espectadores: “até se fecharem as cortinas eu ainda vou me divertir muito nessa novela”. A vida é um jogo, ou melhor, é o jogo da vida.  

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Sobre o crítico...

Wellington Junior
Diretor e ator de teatro, foi Professor do curso Regular de Teatro Sesc Santo Amaro (2001-2005), dos cursos livres do Sesc Piedade (2001-2005). Participou da Curadoria do VIII Festival Recife de Teatro Nacional (2005); Seminário de Critica Teatral (2005,2006 e 2010). Colaborador durante os anos de 2007 e 2008 no Portal TeatroPE. Em 2006 e 2007 foi Coordenador Pedagógico do Festival Todos Verão Teatro, realizado pela Federação de Teatro de Pernambuco.



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